Bem Vindo!


Se apaixonar é o que mantém nossa energia revigorada.

Dar um tempo para si e para o outro.

Rever os conceitos, recriar as relações com o planeta.

Parar para contemplar, ouvir, apreciar, degustar...

É importante (re)apaixonar-se pela vida, pela sabedoria, por nós mesmos.




Foto by Cynthia Barros

Foto by Cynthia Barros
Foto by Cynthia Barros

domingo, 8 de maio de 2011

É Leuza

Há 71 anos atrás, nasceu uma menininha no sertão pernambucano, que escreveria na história um relato de vida intrigante.
Imaginem todos, o extremo da pobreza num sertão que aguarda pelo tido ”inverno”; onde as chuvas garantem as sementes que vão alimentar estes corpos pouco nutridos. As chuvas que caem animam a alma banhando-as no terreiro antes seco e de terra batida.
Da sua vida, pouco sei, não tenho registro de datas exatas nem do realmente sentia dentro de si, mas sei o que vivi com ela no pouco que a acompanhei.
Filha caçula de vários irmãos – acho que uns 12 – penso que é o número exato.
Todos dispersos pela pobreza e pela falta dos pais...
Se apaixonou ainda jovem e acreditando ser o homem de sua vida, teve a notícia de seu sumiço... Havia fugido com outra para a cidade grande.
Anos depois, numa nova tentativa de ser feliz, entendeu que era o momento de se casar, foi deixada no altar... o noivo não compareceu e desapareceu da cidade!
Após cinco anos, conheceu outro cidadão, sério e correto. Homem de família, não tocava nela com desrespeito – queria ela se preservar para a noite de núpcias. Um dia soube que ele havia sido preso, desespero e revelia – havia estuprado uma menina aleijada de oito anos. Coisas do meu querido sertão!
O quarto homem, esse dava esperanças de uma vida a dois saudável e feliz, até que ela foi surrada por ele enquanto noivos. Esperta, o deixou para sempre e nunca mais quis aprender sobre o amor.
Com a morte dos pais que estavam sob seus cuidados, resolveu vir cá com os irmão em São Paulo. Aqui, ao chegar contraiu a meningite.
Internada, quase curada, contrai novamente meningite e passou 10 meses sem sair do hospital.
Sequelas... talvez! As crises de epilepsia ficaram constantes e em um tempo mais ignorante, levaram-na para o Manicômio de Franco da Rocha... lá foi mais um ano.
Lembro-me quando criança de ir visita-la no “hospital de loucos” e a cada dia, um gesso a mais. Era costela quebrada, braço quebrado, perna quebrada... enfim, choques e mais choques, até que não pôde mais suportar sequer o chuveiro elétrico – pavor e pânico tomando conta de uma simples epilética – tempos cruéis! Tratada como louca sem comportar-se como tal.
Diagnóstico revelado, doença controlada por fenobarbital, volta a vida comum, onde dividia uma casa com uma irmã adorada e recém viúva.
Viveram juntas e educaram os filhos de duas mães. Era o tipo de tia adorada, criativa, gentil, muito ou até excessivamente trabalhadora, piadista e artista. Uma mescla de loucura saudável de alguém que ainda não tinha tido contato com a felicidade.
A maioria dos irmãos partindo, até que sua maior companhia também se foi. Crueldade com a alma que não se recuperou mais.
Sofria a cada dia com a viuvez de irmãs, cúmplices e aliadas.
Lembro dela lendo as nossas mãos... nunca conheci nenhuma quiromântica tão natural, que dizia coisas que amedrontavam ou que dava grande expectativa. A bichinha acertava em cheio, nunca vi!!
Sensível a arte e com profunda força de vontade, criava cortinas extraídas de sobras de tecido de fábricas e com o saco na cabeça, vendia e não dava conta das encomendas.
Quatorze hérnias de disco (possivelmente das surras e sobras de tensão do manicômio) não eram limitantes para trabalhar muito, visando manter o seu sustento e ajudar os mais pobres que ela.
Eu era muito jovem quando ela começou a enfrentar a fila para conseguir uma daquelas casinhas do Quércia... Paga a mesma a mais de 20 anos – dois cômodos com banheiro – sua residência, conquistada com empenho e podendo se gabar de não haver nenhuma parcela atrasada.
O pé de jaca e as roseiras continuam vivas como na época de Cândida, a irmã viúva que passou a viver com ela assim que a casinha saiu.
Alguns momentos entre nós foram extremamente felizes, afinal sempre gostei de aprontar um pouquinho. Seja no Playcenter ou no Hopi Hari, qualquer montanha russa era fichinha para a sua coragem. Torta, corcunda, epilética e frágil, nunca relutou em fazer uma peripécia comigo. Na praia era uma sereia; não em beleza, mas em intimidade com água que sempre faltou em sua juventude.
Presente em todos os nossos momentos, partilhava a nossa dor e a nossa alegria. Sempre fácil de agradar e de ser querida por todos. Vai ao banco para as mais velhinhas pagar contas, acompanha em hospital, faz jus a cidadania faltante em muitos de nós.
Em uma de minhas visitas, percebi que adoecia visivelmente. Trazia os lixos da rua para colecionar dentro da pequeníssima casa, onde não mais há espaço para locomoção. De guarda-chuva quebrado a roupa rasgada, de parafuso a tênis de um pé só. Vi uma foto em um quadro velho... era ela entre meus avós. Não os conheci em vida, mas sei bastante da história. Disse que se eu pudesse pedir algo como herança, aquela foto seria a única coisa que queria que deixasse para mim.
No último novembro, fui fazer a minha visita ao sertão, tive um in site de lavá-la comigo. Fomos para a sua cidade natal, onde hoje vivem três irmãos vivos, velhos e bastante doentes. Já bastante trabalhosa a condição mental, essa viagem foi um marco, pois afirmou que seria a última vez que os veria... Talvez isso seja verdade!
Maria de registro que sempre foi chamada de Edileuza, dizia que a vista sumia, resolvia fugir de repente, contava piada e tinha auges de alegria com os irmãos – dormiu na casa de todos. Um aspecto de confusão na mente, de tanto que tentaram enlouquece-la, talvez tenham enfim conseguido.
Voltou sem se despedir com abraços e deu adeus... nos vemos no céu!
Me entregou a querida foto... disse que já era momento de me entregar sua herança.
Agora... aguarda por seu dia. Um tumor hoje identificado com muito antigo ocupa um espaço do tamanho de uma laranja em seu cérebro. O pulmão, também tomado pelo câncer já gera dores abdominais. Não há mais nada a fazer, morfina e aguardar... Quero muito que sai do hospital e que finde em casa, fumando o delicioso cigarrinho de fumo de corda em palha de milho, tomando café que foi sempre o seu fiel companheiro, aguardando a vinda dos irmãos que ela sempre disse que viriam busca-la... A Cândida e o Davino, suas maiores dores.
É Leuza... 71 anos contados em poucas linhas... tenha alegria ao ir, tenha sanidade no céu. Mande um beijo ao meu Pai e peça a benção a tia Cândida... que ela responda com aquele jeito meigo e sereno: “Deus abençoe meu fi!”.
Não demore em ir... chega de dor pra você. Obrigado por me deixar ser parte da sua história.
A benção!

6 comentários:

  1. Tadinha da minha Tia que Deus a receba em seus braços...(triste a história dela, bjs Roberto)

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  2. Olá Roberto hoje eu e minha mãe arrumando os documentos de Tia Leuza achamos um cartão postal seu de Miami, ai q lindo saber da amizade sincera de vcs, ficamos muito felizes contudo...Deus te abençoe muito vc e a Ro...Bjos Roberta Garcias

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  3. Adilson Assis da Silva29 de junho de 2011 às 13:13

    Olá Roberto, parabéns pelas lindas palavras e o poder de realidade que elas nos traduz.

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  4. Boa tarde, me chamo Vagner Assis e sou filho de Miguel Marcolino, filho de Candida Nogueira Pessoa, irmã de Bissalão(como o conheço) e Davino( o qual um primo chamado Tarcisio o venerava), eu tenho o enorme prazer em dizer que sou teu primo.
    Você pode até achar estranho eu dizer essas coisas, pois se nos vimos alguma vez faz muito tempo, quando o tio Davino ia visitar minha avó.(dona Candida)
    Eu não lembrava sua fisionomia, mas nunca esqueci o seu nome e de seu irmão Donizette.
    Durante minha infância ouvir muitas coisas de ruim, entre elas que na minha familia ninguém prestava, e muitas vezes eu e meu irmão Adilson (Você conheceu no velória da tia Neuza) cooperavamos para que eles dissessem isso, mas graças a Deus isso mudou.
    Como sempre digo"EU AMO MINHA FAMILIA, E VOCÊ E SUA FAMILIA ESTÁ INCLUSA NESTE AMOR.
    Fique com Deus.
    este é um e-mail que utilizo, vagnerassis1@hotmail.com, se quiser pode enviar e-mails nele.

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  5. Olá Robertinho, acho que ainda posso te chamar assim pois era como nos tratávamos, eu sou a Neide, ou Neidinha filha do Zézinho.
    Estou aqui em prantos de relembrar minha infância junto com você, e das histórias que a tia Leuza um dia me contou.
    Da vó Cândida, do tio Davino, ah! meu Deus como a saudade dói.
    Lembrar das colchas de retalhos, do café companheiro, e ainda por incrível que pareça o pé de jaca que ainda existe. È como se fosse uma herança que a vó Candida deixou para o tio Dão.
    Estou muito emocionada com esssa homenagem que fizeste a tia Leuza e não somente para ela, mas também para a vó Cândida e o tio Davino.
    Não pude estar presente, neste momento pois vivo na Argentina, mas senti muito...
    Parabéns por você ser uma pessoa tão especial
    Fica com Deus.
    urbano.neide@hotmail.com

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  6. Olá Roberto... Meu nome é Grazielle, sou filha da neide, neta do Zézinho, ainda não nos conhecemos, mas fazemos parte da mesma familia! Me lembro mto da tia Leuza, com aqueles cabelos lisinhos e tomando um café...Já a Vó candida, me lembro bem puco, pois quando ela se foi, eu era mto pequena... Não pude comparecer pois não moro mais em Sp. Fico feliz pela homenagem e saber q todos temos um carinho mto grande por ela! Parabens, sua mensagem concerteza os nossos corações! Tia Leuza SENTIREMOS SAUDADES...
    Deus abençõe
    Grazielle_urbano@hotmail.com

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